Alguns gemidos
agoniados escapam, pairam, voluteiam por um instante e se estabilizam
melodicamente intermitentes no ar. O sol principia a se pôr; ainda que triste,
um de seus feixes invade o quarto pela fresta da parede e passa a ser
espectador atento do melancólico espetáculo.
- É sempre assim? -
Um homem grisalho, sentado ao sofá da sala contígua ao quarto, pergunta. A
ênfase do final de sua sentença fora prejudicada por sua voz esganiçada e
afetada, de modo que era difícil dizer se afirmava ou se questionava.
- É... É. - Murmura o
ancião sentado a sua frente; olhos baixos de graves pupilas negras, íris de
azul profundo e encarando o absoluto Nada. O amarelado globo ocular
entrecortado por incontáveis vasos sanguíneos.
O homem grisalho
percorre a casa com o olhar, a madeira azulada de sua estrutura e os símbolos
católicos adornando as paredes; a lâmpada incandescente que pendia jorrava luz
dourada sobre ambos. Inelutavelmente voltou os olhos à idosa deitada na cama do
quarto; ela tinha seu peito massageado por uma jovem: sua filha caçula que
aliviava sua dor lenta e ternamente, com o creme batido das últimas ervas que
pôde comprar, misturado ao resto na lata que adquirira há tempos, acreditando
tratar-se de bálsamos, mas que eram, entretanto, vulgares hortelãs, prensadas
para dissimular sua peculiar fragrância e picotadas para não levantar
desconfianças quanto à aparência. A música composta da lamúria da idosa era
compassada pelos movimentos circulares da mão direita de sua filha que, aos
poucos, cedeu ao cansaço, deixando a pela enrugada e morena abaixo do seu
queixo empapada de um consistente redemoinho verde musgo.
Quando o choro da
idosa dissipou-se no ar e deu espaço a uma sufocada oração, o raio de sol que a
observava também passou a desvanecer e sumiu por completo, deixando o quarto na
obscuridade.
- Eu tenho que ir
agora... - Disse o homem grisalho, olhando o relógio de pulso e então a
expressão do ancião que consentia. Cumprimentou-o cordialmente e se retirou
rapidamente da casa; colocou-se a olhar pra trás e conceder ainda um último
alento de misericórdia ao ver a porta da frente dependurada por pregos e as
galinhas no quintal cercado de arame. Sua família nada mudara.
Deu alguns passos e
contemplou o semicírculo formado pelo disco do sol que já quase se ia
completamente, e identificou-se com remorso em sua luminescência, que assiste
ao sofrimento com afinco de um santo e a impassibilidade da matéria
inanimada.
Parabéns, adoro perspectivas altenativas. Alias se a jovem depois do repouso ainda precisar de balsamo, peça que procure-me.
ResponderExcluir