Imerso na atmosfera sombria do bar, apagado pelo véu de
fumaça de cigarros, desorientado pelo cá e lá das muitas vozes, aquele mesmo
homem de um outro dia novamente ocupava o lugar no balcão diretamente oposto à
porta de entrada, cabisbaixo, bem vestido, fitando o copo meio vazio, como se,
a essa altura, já tivesse se apercebido que a bebida não o preenchia como
precisava que o fizesse. O bar, como uma cova, abrigava muitos cadáveres do fim
do dia, que iam enterrar suas carcaças e buscar a ressurreição de sua alegria
nos vapores do álcool. Com ele não era diferente. Não obstante, cada vez mais
se dava conta de que não poderia, por esse meio, alcançar o menor resultado,
que o esvaziar dos copos, longe de resolvê-lo, representava uma tragicômica versão
inanimada da sua realidade.
O balconista, criatura seca, sem lábios, de sobrancelhas
escassas, gostava, entre um gole servido e mais outro, de observá-lo. Tinha
curiosidade pela abstração e infelicidade do homem. Era o mesmo sujeito que
certo dia chegara até ele e com aflição pedira um gole de metafísica. Na ocasião,
ficou sem saber o que dizer. Preferiu não se irritar, e, desde então, sempre
que restavam apenas os dois no bar, agarrava uma garrafa próxima e lhe servia
uma dose grátis.
Não conversavam nada, embora sentissem que se entendiam bem.
Talvez achassem, na cor vermelha dos seus olhos, que tinham cicatrizadas no
rosto as marcas da mesma amargura. Em realidade, não era bem assim. Contudo,
serviam-se eficazmente de companhia.
-Ainda te devo aquele gole de metafísica... – comentou o
balconista. A essa altura, acreditava poder espiar por debaixo da circunstância
silenciosa que cobria o seu amigo.
-E é hoje que vai me pagar a dívida?
-Acredito que não. Pensei, pensei, mas não acredito que
tenha encontrado a porção de irrealidade que te tire os pés daqui.
-As outras bebidas já não me servem mais. Nem sei se já
serviram. Eu apenas não tenho ideia do que fazer. Ou mergulho nessas doses ou
vou mudo para a gaveta todo fim de tarde. De qualquer jeito, estou me
despedaçando.
-Por isso mesmo, quem me garante que, ao, finalmente, te
servir o teu necessitado gole de metafísica, eu não estaria te despedaçando
ainda mais quando tu percebesses que nenhum dos teus problemas mudou, que o teu
vazio continua aí?
-Não. Será diferente. Porque então bebê-la-ei todo dia, pela
manhã, tarde e noite. Estarei tão embriagado que não mais poderei acordar
quando tropeçar nesses fatos e rotinas. Não. Estarei inteiramente ébrio. Seu
calor será como uma nova alma, uma nova perspectiva. Bêbado dela, com os olhos
turvos, sorrirei para tudo aquilo que então me fez chorar. É o que faz a metafísica:
dá aos seus bêbados a insensibilidade. – e apoiou o rosto sobre a palma da mão
direita, sentindo a precipitação daquele sabor pela garganta. –Dê-me um pequeno
gole que seja e nunca mais verá este farrapo de homem diante de ti.
-Estaria em suas mãos, se eu a tivesse aqui. Infelizmente,
bem sabe que não. Mas não desista, companheiro. Não é difícil topar com um
embriagado desses por aí. Portanto, não deve ser difícil de se embriagar
tampouco.
-Pois é... – sussurrou o homem.
Com a mão livre, fez deslizar o copo para perto da garrafa
amparada pelo balconista, que virtuosamente converteu mais uma dose para dentro
do receptáculo vítreo.
-Bem, este não é o caminho, mas, por enquanto, é o que posso
tomar... Vou andar em círculos e tontear. Uma solução temporária...
Mais uma vez, depois de tragada a anterior, o balconista lhe
serviu outra dose.
-Posso saber como acha que devia ser? – perguntou.
-Diferente.
-Mais feliz?
-Acho que sim.
-E o que é felicidade?
-A mais maldita palavra que já se inventou. Uma maldita
droga, da qual já nasci dependente. E pela qual rastejo por aí, e cujo gosto,
que vivo a imaginar, torna tudo mais amargo.
Nesse instante, o balconista observou o homem, imaginando-se
muito ingrato para com ele. Perdeu-se, por um momento. Enquanto divagava,
sentiu o súbito movimento a sua frente. O seu companheiro ia saindo do bar. Amanhã
estaria ali novamente. Podia não encontrar naquele bar a sua quantidade
entorpecente de metafísica, porém, voltaria e beberia, sem alternativa. Que miséria!
De repente, tomado de absurdo transtorno, o balconista se
voltou para sua estante ampla de bebidas, místicas sedutoras, promíscuas beldades.
Agarrou do extintor de incêndio sob o balcão e arremessou contra as garrafas. Às
que ainda estavam intactas, varreu com um solavanco, fazendo reboar pelo bar
uma espécie de sinfonia apocalíptica e um amargo dilúvio. De algumas, chutou os
pedaços maiores para longe. Depois, sozinho à meia-luz, revirou as mesas que
conseguiu e caiu ao chão, exausto. Havia um pouco de sangue entre seus dedos, e
o contemplou escorrendo com satisfação. Fora corrompido por uma iluminação,
talvez. Não sabia ao certo. Todavia estava satisfeito, pois julgava haver algo
de justo naquele ato insano. Amanhã, não mais estaria indicando às pessoas o
falso caminho, nem lhes oferecendo péssima companhia.