Prestes a subir a plataforma e
com o coração nas mãos, apoiou-se fortemente ao corrimão como se faltassem
forças, as pernas meio tremulas. Pisou no primeiro degrau e pensou no motivo
que o levava a fazer aquilo, viu então a primeira lágrima cair e molhar o
concreto do próximo degrau, assistiu-a desaparecer. Subiu vagarosamente como se
experimentasse a sensação da ansiedade e como aquilo fazia parte mal, parte
alívio. Não queria deixar tudo ir com tanta pressa, queria que fluísse. Reviu
mentalmente as cenas preferidas, como no dia em que reencontrou seu cachorro
perdido, na chuva, felicidade sincera, ver a devoção que seu animal tinha para
consigo, mesmo sabendo-se que tinha abandonado-o dias antes numa rodovia
qualquer da cidade, experimentou o perdão inconsciente. Outras duas lágrimas
rolaram pelo rosto e foram parar no cimento que tudo absorveu mais uma vez.
Como chibatadas ardentes lembrava de mais cenas felizes, não para fazer-se
desistir, mas para continuar. Lembrou da primeira vez em que fez amor, e da
primeira sensação de orgasmo, sentido o corpo esmaecer e cair lentamente quase
que flutuando num mar de flores e ficar assim, por um tempo, lembrou de um rosto
conhecido e como acariciou sua pele, seu rosto, seus lábios e como tornou a
beijar, lentamente. Mais uma vez sentiu o cimento frio do próximo degrau e
outras lágrimas caírem de saudade. Lembrou de um dia voltar para casa a pé,
depois do carro ter estragado, começar a
chover finamente, olhou para cima e viu que ainda fazia sol, deixou a água cair
pelo corpo como se quisesse que a água do sol o limpasse. Lembrou da vida, da
comida, dos amores e dos vícios. Então tudo pareceu-lhe constante, triste e
interminavelmente tedioso, como um castigo eterno na conquista de uma suposta
alegria, felicidade e promessa jamais cumprida. Não queria achar a terra
prometida, ela era uma mentira, sabia agora. Finalmente chegou ao topo, viu um
horizonte imerso em casas e prédios cobrindo o pôr do sol cinzento, abaixou o
rosto e viu os pés nus mais uma vez, viu as mãos, andou mais uns passos na
plataforma e olhou o horizonte, tão feio.
Virou de costas para tudo aquilo,
andou de ré até que seus calcanhares estivessem livres do chão, apenas com as
pontas dos pés firmes à plataforma, abriu os braços, olhou para cima numa esperança
de talvez desistir, e por ironia sentiu um vento bater contra ele, era o sinal
para ir. Era chegada a hora da partida. Acabou, fim. Abriu os braços deixando o
peito aberto como se o vento contra ele o tivesse atingindo fatalmente, fechou
os olhos pela ultima vez. Soltou o corpo.
Sentiu então a água tocar-lhe, prendeu a respiração e
deixou-se afundar e contra sua vontade foi lançando a superfície novamente. Quando
rompeu o espelho d’água, o ar entrou em seus pulmões fortemente foi como se visse o sopro de Deus. Nadou até
a borda e sentou. Disse, “para viver é preciso morrer”, levantou e foi embora
sem olhar para trás. Hoje era o dia de seu aniversário.
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