Samanta tomava coragem, mais uma vez, enquanto atravessava o corredor
do colégio estadual. Como escudo, em seus braços carregava alguns livros, um
caderno e um pequeno diário. Seus longos cabelos castanhamente ondulados
escorriam pelas expressões de seu rosto; o andar tímido a fazia deslizar
suavemente pelos corredores a fim de se fazer desapercebida por companhias
indesejadas. Normalmente, apesar do corpo presente, tinha um mundo próprio com
ares fantásticos. Aos 16 anos, seu corpo não havia conhecido um homem, mas sua
mente fazia-se descoberta todas as noites escuras. Para lidar com a solidão,
escrevia um pequeno poema, lia um trecho do livro preferido e masturbava-se
delicadamente como quem preserva os próprios prazeres. O ultimo poema escrito,
inspirado por seu ultimo amor, dizia em uma das estrofes:
“Nas profusões do amor, encontro confusa as respostas do amor não
correspondido, sua pele negra não reflete a luz que emana do meu coração,
permanecesses então na escuridão sem saber de meu amor por ti, como o dia que
ama a noite, sol e lua jamais se encontram, exceto por uma única oportunidade.
Quisera eu ser abençoada por esse eclipse de paixão.”
Ao entrar na sala de aula para a primeira aula, deparou-se com o
cavaleiro negro. Parou na porta e ficou analisando todas as nuances de sua pele
escura e obstinada na tarefa de não ter pelos. Sua pele clara, branca como luz,
equilibrava bem com as sombras dele. Reparou no belo sorriso perfeitamente
encaixado. Perdeu-se no meio dos cachos desfeitos dos cabelos rebeldes. Quando
ia da concentração ao transe, saiu do sonho num salto, ao ser descoberta pelos
olhos castanhoamendoamente atentos. “Fui descoberta”. Baixou a cabeça e andou
até seu lugar. Deitou a cabeça sobre os livros no intento de rever a imagem de
seu amado, então mais uma vez desperta de seu mundo de fantasias por um toque
no braço, ergueu a cabeça e deparou com Daniel, seu príncipe, com um belo
sorriso de bom dia.
Era intervalo, e o rendimento da aula anterior foi de dois desenhos, três
versos, e uma tentativa de conto fracassado sobre um homem que fora amaldiçoado
por uma cigana e perdeu seu passado e futuro, difícil. Sentada embaixo de uma
árvore, tentava ler um novo livro, Cidade de Vidro, mas não passava da primeira
página. Há dias certa ansiedade começava a incomodá-la; sentia que tal
sentimento chegara ao ponto de tornar-se um tumor seriamente perigoso. Um
pensamento inquietante tomava a frente na lista de afazeres. Esse dever, que
ela deixava para outro dia, seria feito hoje, sem mais adiantamentos, precisava
ser. Fechou o livro abruptamente e, num caminhar trotesco, foi em direção ao
Daniel; disse todas as palavras em uma só: “precisofalarcomvocêagora.” Visto
que ele era compreensivo e despediu-se de seus amigos para tratar de sua amiga.
“Você parece doente, o que lhe aflige?”
Com profundo olhar de piegas saiu da escola e fez sinal para que ele a
seguisse. Não muito longe, havia um cemitério, pouco visitado, mas de beleza extraordinária.
Sempre que Samanta precisava de inspiração, buscava ali um recanto silencioso.
Rodeado de árvores floridas e frondosas, com lápides cuidadosamente esculpidas
e uma linda capela feita de madeira. Samanta procurou um lugar para sentar. “É
aqui que os amantes se encontram para matar coisas: saudades, desejos, medos...
Apesar da funesta tristeza, este em especial me traz paz, por permitir que não
apenas os entes queridos sejam enterrados mas também sentimentos.” Virou o
corpo para Daniel e, com os lábios tremendo, disse: “Sei de sua condição, sei
que ama outra e sei também que estou apaixonada por você. Contar isso aqui é
enterrar tal amor. E agora que sabe posso seguir em frente e esquecer tudo
isso.” Sem nem esperar resposta caminhou até o portão como quem fugia de algum
fantasma. “Espere Samanta, não pode vir aqui me dizer essas palavras e esperar
que eu ignore tal declaração. Sabe que sou de outra e prometi meu coração. Mas
em nome da amizade, que não deixa de ser amor, proponho a você um beijo. Vamos
ver o que sentimos.” Quando Samanta ia se aproximar, Daniel a deteve. “Vamos a
minha casa, não há o que enterrar hoje.”
O caminho pela rua foi silencioso, o ar era tão denso que logo eles
flutuariam. O Apartamento não era longe, dava tempo de voltar até o fim da
aula. As escadas do prédio eram infinitas assim como o silêncio que perdurou
até que abriu-se a porta da casa. “Olá”disse uma voz feminina para Samanta. Certa
de que deveria ser a mãe, tremulamente beijou seu rosto, nada encontrou para
dizer. “Nós viemos buscar uns livros.” Salvou Daniel, que gritava do quarto
para a mãe enquanto tirava as botas de couro marrom. Fez sinal para que ela
entrasse.
Timidamente esperou o fechar da
porta, o silencio ainda mais profundo incomodava era quebrado apenas pelo
tilintitar das coisas e os rugidos pelo caminhar no chão de madeira, cada som a
fazia ter um breve susto, como quem esperava a hora de ser abatida. Sabia, era
o eclipse.
Sem dizer qualquer palavra
Daniel gentilmente acariciou seu cabelo, observou-a finalmente, percebeu a
beleza escondida por trás da carapaça de seriedade, era fato que tal moça pura
e intocada lhe dava certo desejo, um pequeno fetiche se escondia por trás da
intenção em traze-la em casa, entendeu: um beijo apenas salpicaria seu paladar
e tinha fome. Passou as costas da mão docemente nas bochechas macias da moça,
era como se estivesse no escuro, usava as mãos para descobrir quem era a
formosa menina moça. Seu olhar ficou morteiro, sua boca foi se abrindo e lá foi
pousar nos lábios delicados de Samanta.
A respiração ficou ofegante, e o quarto ficou mais escuro, as mãos e as
peles foram explorando os cantos. Neste dia de noite, Samanta não preservou o
prazer, entregou-se, deixou-se enegrecer, misturar-se. Foi no intimo e buscou
ali o ultimo fio de vida que parecia restar. Escureceu, e o fôlego acabou, e as
mãos cansaram, e o corpo estremeceu, só restavam agora sangue e suor.
O eclipse terminara, deixando nem mesmo a sombra da escuridão, Samanta
agora via-se refletida no rosto de Daniel e então ali algo mudou.
Samantha voltou para casa, não conseguia pensar em mais nada. Caminhou
em silencio. Bateu a porta da sala, a voz na televisão na sala, dizia : “Hoje, pela manhã, aconteceu um fenômeno
chamado de eclipse solar, que é quando a lua fica na frente do sol. O próximo
acontecerá daqui a dez anos...”
E então entendeu o que mudou.
E então entendeu o que mudou.
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